Hidrelétrica de Itaipu vai usar sobra de água para produzir.
hidrogênio combustível, com tecnologia criada na Unicamp
Publicada em 25 de agosto 2008
A hidrelétrica de Itaipu deve começar a produzir hidrogênio combustível até o final do ano que vem. O projeto executivo da construção de um laboratório que servirá como planta-piloto para produção e desenvolvimento da tecnologia do hidrogênio está pronto e foi apresentado pelo Laboratório de Hidrogênio do Instituto de Física da Unicamp, parceiro da empresa nas pesquisas sobre a economia do hidrogênio.
Itaipu decidiu investir na tecnologia do hidrogênio para aproveitar a água que sobra em épocas de muita chuva. Quando o volume de água é superior à capacidade de armazenamento de Itaipu e a energia a ser gerada por esse volume de água não tem como ser consumida, a água é "vertida", ou seja, abrem-se as comportas e ela passa livremente. Na prática, a água vertida é energia perdida. "Não temos como armazenar grandes quantidades de energia. A idéia é aproveitar essa água para, por meio do processo de eletrólise, produzir hidrogênio", explica o engenheiro Marcelo Miguel, técnico da Divisão de Engenharia de Itaipu.
A Unicamp presta assessoria técnica e científica para a implementação do Programa de Hidrogênio em Itaipu. As obras da planta-piloto estão orçadas em R$ 1 milhão e a hidrelétrica prepara o edital para licitar a construção, que deve começar também em 2009. O laboratório terá quase 600 metros quadrados de área construída e foi projetado para produzir 10 metros cúbicos de hidrogênio por hora.
A iniciativa é parte da International Partnership for the Hydrogen Economy (IPHE), cooperação que reúne vários países em torno do assunto. O Brasil tem um programa nacional com foco na economia do hidrogênio, sob gestão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Trata-se do antigo Programa Brasileiro de Sistemas Células a Combustível, que em 2005 passou a se chamar Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Economia do Hidrogênio. O Estado do Paraná também organizou um programa sobre o tema, com o objetivo de tornar-se referência em economia do hidrogênio, dentro do qual se insere Itaipu. A primeira ação do Estado paranaense foi lançar, em fevereiro deste ano, o Estudante HidroGÊNIO Paraná, programa que busca mobilizar as escolas dos ensinos fundamental e médio para trabalhar com o tema energia do hidrogênio.
O papel da universidade na parceria
A rota tecnológica da eletrólise, que usa a energia elétrica para separar elementos químicos — no caso, as moléculas de hidrogênio e oxigênio que formam a água —, foi indicada pelo Laboratório de Hidrogênio da Unicamp como a mais apropriada para a planta-piloto de Itaipu. Com ela, a energia que iria embora com a água vertida em períodos de excesso de chuva será captada por Itaipu para produzir hidrogênio.
Um dos desafios enfrentados por grupos de pesquisa de vários lugares do mundo é produzir hidrogênio a custos competitivos. Mas, em Itaipu, as pesquisas terão uma preocupação maior com o uso do hidrogênio em veículos. A usina utilizará o hidrogênio produzido em pequena escala em veículos que circulam dentro de suas instalações para transporte de visitantes e funcionários. Dois ônibus e dois carros serão as "cobaias" do desenvolvimento da tecnologia em Itaipu. "Em todo o mundo, temos desenvolvimento de veículos que usam hidrogênio. É um grande mercado", aponta Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp.
Ele explica que um dos desafios para pesquisa e desenvolvimento é a falta de infra-estrutura para armazenamento e disponibilidade do hidrogênio nos postos de abastecimento. Outro está no processo de eletrólise em si, pois ele se realiza em corrente contínua e a energia que sai da usina para ser usada na planta-piloto vem em corrente alternada. Há equipamentos especiais para fazer a mudança de um modo para outro, chamados de retificadores de corrente, mas são peças muito caras. "Uma das linhas de pesquisa que estamos pensando em seguir é fazer esses equipamentos aqui, de forma a baratear o processo, o que reduziria o investimento necessário para produzir hidrogênio e, por conseqüência, diminuiria o preço do hidrogênio", completa Silva.
A planta-piloto contribuirá para o avanço do conhecimento sobre as etapas da eletrólise, as células a combustível, a operação de uma planta produtora de hidrogênio, a durabilidade de equipamentos, entre outros pontos. "Terá um importante papel na formação de recursos humanos, pois falta gente no Brasil para trabalhar em uma produção de hidrogênio em maior escala", acrescenta o pesquisador da Unicamp. Atualmente, quatro alunos de mestrado estão concluindo seus estudos, com apoio da usina, e deverão trabalhar na planta-piloto quando esta começar a operar. Dois são brasileiros e dois são paraguaios, dado o caráter binacional de Itaipu, localizada na divisa com o Paraguai.
E há, ainda, as pesquisas envolvendo os veículos que usam hidrogênio. "Todas as grandes montadoras, hoje, tem protótipos de veículos movidos a hidrogênio", destaca o engenheiro de Itaipu, Marcelo Miguel. Itaipu já tem convênio com a Fiat para desenvolvimento de veículos elétricos. Ainda vai selecionar um parceiro do setor automobilístico para o projeto do hidrogênio.
Ainda não há modelo de negócio bem definido
A empresa ainda não definiu o modelo de negócio final. "Ainda não está muito claro como as coisas serão na economia do hidrogênio. Imaginamos que a produção será próxima dos locais de consumo, porque, do contrário, seria preciso gastar muita energia para transportar o hidrogênio ou fazer um sistema complexo de dutos", explica Miguel. A empresa paulista de ônibus urbanos EMTU, que opera em linhas que interligam cidades do Grande ABC a São Paulo, está montando um posto de abastecimento de hidrogênio e vai testar veículos movidos a esse combustível. A Petrobras também anunciou a montagem de um posto flex, que terá vários tipos de combustíveis, entre eles o hidrogênio, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, onde está o centro de pesquisa da empresa.
A regulação do mercado é um ponto nebuloso, dado o caráter sazonal da produção de hidrogênio. Em princípio, a tecnologia seria voltada para o aproveitamento da energia que é desperdiçada quando há excesso de água nos reservatórios. Mas como ficará a produção nos períodos em que os reservatórios estão em níveis mais baixos? "Tudo isso ainda está sendo estudado pelo programa. Por enquanto, a produção é muito pequena e experimental, mas, com certeza, como o hidrogênio é o elemento mais abundante na natureza e como o esforço é integrado pelos diversos segmentos produtivos, não deverá faltar [hidrogênio] para a projeção que estamos vendo", responde o engenheiro. "Em última análise, se o mundo todo resolver usar o hidrogênio, podem surgir complementares, como foi o álcool para a gasolina. Enfim, são pesquisas", completa.
A empresa ainda não definiu como vai trabalhar essa tecnologia no mercado, pois tudo dependerá dos resultados da planta-piloto e do tamanho da demanda. Ela poderá vender o hidrogênio para o mercado veicular ou fornecer energia estacionária, aquela que é ofertada para residências e indústrias. Neste último caso, faria algo semelhante à iniciativa do Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (Cepel), que, em parceria com a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), está desenvolvendo e implantando uma célula a combustível de membrana polimérica (PEM) com potência nominal de 5 quilowatts.
O sistema PEM adotado pela Cepel foi desenvolvido pela empresa Electrocell e é um dispositivo eletroquímico em que um combustível (no caso, o hidrogênio) e um agente oxidante reagem diretamente, produzindo eletricidade. Esse sistema é de baixa potência, ideal para aplicações em comunidades isoladas, em residências, conjuntos residenciais ou em pequenas unidades comerciais. Itaipu poderá fazer algo nesse sentido com sua planta-piloto de produção de hidrogênio, para fornecer energia estacionária. (J.S.)
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