I Conferência Internacional sobre Biocombustíveis
Publicada em 24 de novembro 2008 - Janaína Simões
Temas de plenária sobre P&D foram restrição de montadoras da
Europa a etanol, criação de centro internacional e fertilizantes
A criação de um centro internacional de pesquisa, desenvolvimento e inovação em biocombustíveis foi a recomendação que a Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS, sigla para Third World Academy of Science) deixou ao governo brasileiro durante a I Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, ocorrida em São Paulo na semana de 17 de novembro. Segundo o Itamaraty, que organizou o encontro, representantes de 92 países, 38 ministros e 407 delegados participaram da conferência. A proposta de criação de um centro internacional foi feita por Mohammed Hassam, diretor executivo da TWAS, sediada em Trieste, na Itália, durante a sessão plenária IV, "Biocombustíveis e Inovação: pesquisa e desenvolvimento; biocombustíveis de primeira e segunda geração; oportunidades para a ciência e tecnologia".
Hassam, também presidente da Academia Africana de Ciências, sugeriu que o centro internacional tenha seu ponto de partida na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). No dia anterior à plenária sobre biocombustíveis e inovação, Hassam conheceu os projetos que a fundação apóia durante a sessão especial da conferência realizada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). Hassam sugeriu que o debate sobre a criação do centro se desse já na conferência, nos dias 20 e 21 de novembro, durante os painéis intergovernamentais. Esses painéis foram fechados ao público; participaram deles apenas os representantes dos países e de órgãos internacionais.
No painel intergovernamental sobre pesquisa, desenvolvimento e inovação, realizado no dia 20 de novembro, John Mello, presidente da Amyris Biotechnologies, leu um relatório produzido a partir das discussões feitas durante a plenária do dia 19, a primeira, em que o executivo destacou o papel da inovação para propiciar novos saltos de produtividade em relação a matérias-primas, produtos e processos focados em biocombustíveis. Os participantes do encontro ressaltaram a importância das políticas públicas para impulsionar a pesquisa, produção e comercialização de etanol. Grande destaque foi dado a países com metas definidas de mistura de etanol à gasolina, que criam mercado para o biocombustível. Os presentes na plenária também salientaram que ainda há espaço para ganhos de eficiência nos motores e que é preciso promover maior disseminação do conhecimento e tecnologias disponíveis. Por fim, foi exposta aos representantes governamentais presentes a idéia da criação do centro internacional de pesquisa no Brasil.
O painel do dia 19 de novembro
A plenária IV sobre P&D&I foi moderada por Silvio Crestana, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele destacou, na abertura da reunião, os ganhos já obtidos pelo Brasil na produção de etanol, advindos de pesquisa, inovação e melhoria de gestão nos setores agrícola e industrial. Emendou uma pergunta para Thérèze Martine, diretora de Relações Públicas e Meio Ambiente do Grupo PSA Peugeot Citroën, também integrante da mesa, a respeito das restrições técnicas que as montadoras européias impõem às propostas de adição de 10% de etanol à gasolina — sabendo-se que, no Brasil, essas montadoras fabricam veículos que já usam etanol, gasolina ou ambos como combustível.
Thérèze explicou que os produtores consideram três aspectos: o combustível; as emissões de gases de efeito estufa (GEEs); e o custo final do produto para o consumidor. Os veículos têm ciclo de vida de 20 anos, nas projeções do setor na Europa. "Sim, fazemos flex no Brasil, mas são motores específicos para o etanol brasileiro", afirmou. Ela disse que os materiais e circuitos de distribuição precisam ser desenvolvidos para a tecnologia flex. "Precisamos desenvolver motores que são um pouco mais caros [para o mercado europeu]", completou.
Mohammed Hassam, TWAS
Mohammed Hassam, da TWAS, disse ser importante haver mais pesquisa e desenvolvimento voltados para o aumento da absorção de energia solar pelas plantas; a transformação de celulose em biocombustíveis; a elevação da eficiência energética dos motores automotivos; e a redução das emissões de GEEs. Para ele, os maiores desafios em P&D&I são a busca por matérias-primas para geração de energia renovável que não compitam com a produção de alimentos e por cultivos em áreas não tradicionais, como regiões desérticas e com solos mais frágeis.
Hassam, que é do Sudão, destacou ainda que 78% das pesquisas em biocombustíveis concentram-se nos Estados Unidos e no Brasil; e que, aqui, a liderança é do Estado de São Paulo, com destaque para o trabalho da Fapesp. Daí ter proposto a criação do centro internacional ao governo brasileiro. Hassam chegou a falar em transformar a própria fundação em um centro internacional de P&D&I de excelência em biocombustíveis. "Globalizar a pesquisa é uma recomendação importante para os governantes do Painel Intergovernamental dessa conferência", acrescentou. Ele também comentou que a África precisa muito da colaboração internacional em P&D, pois enfrenta uma diáspora de pesquisadores, que não encontram em seus países de origem os meios necessários para executar os trabalhos de pesquisa no nível que desejam.
Lucia Melo, CGEE
Lúcia Melo, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), referendou a visão de Hassam, falando a respeito da capacidade brasileira. "O Brasil tem uma posição de liderança no uso, na difusão e na produção de novos conhecimentos", apontou. Além desse importante acervo de conhecimentos, ela lembrou que o País dispõe de mecanismos de apoio para todas as etapas de P&D&I e pode atrair investimentos, de forma a dar um rápido salto tecnológico. Sem entrar no mérito da criação de um centro internacional no Brasil, ela sugeriu, em cooperação internacional, que os países em desenvolvimento se detenham a outros temas que são demandas de praticamente todos eles. Citou como exemplo a grande dependência desses países em relação aos fertilizantes, geralmente desenvolvidos e produzidos em países mais avançados. Segundo ele, para o etanol ser efetivamente um redutor de emissões, "tanto quanto está no nosso imaginário", mais pesquisa para diminuir o uso de fertilizantes será necessária.
John Mello, Amyris
John Mello, presidente da Amyris Biotechnologies e outro participante do painel, também destacou a superioridade brasileira ao comentar que não vê nada melhor para a produção de biocombustíveis do que a cana-de-açúcar cultivada nos trópicos. Referindo-se à atual crise financeira, ele disse: "Os Estados Unidos são o grande exemplo do que pode não dar certo", disse. Segundo ele, o Brasil demorou 30 anos para chegar ao nível em que está na produção de etanol. Os EUA levaram cerca de quatro anos para atingir os mesmos patamares da produção brasileira e até ultrapassar o País. "Infelizmente, a indústria lá [nos EUA] está falida, devido à ineficiência", afirmou.
José Goldemberg, Comissão de Bioenergia
José Goldemberg, coordenador da Comissão de Bioenergia do governo paulista e professor da Universidade de São Paulo (USP), contou para os demais palestrantes e para a platéia que o Estado já está criando um centro de P&D&I em biocombustíveis. De acordo com ele, o governo de São Paulo já reservou R$ 100 milhões para a estruturação do centro, que será vinculado às três universidades estaduais, USP, Unicamp e Unesp. "Acredito que o governo veria com satisfação o uso dessa estrutura como um centro internacional", opinou.
Goldemberg também ressaltou a importância da criação de regras por parte dos países para tornar obrigatória a adição de etanol à gasolina, como ocorreu no Brasil. Na opinião dele, esse tipo de política pública é mais importante até do que os investimentos privados ou governamentais, pois cria o mercado necessário para o produto e gera a necessidade de inovar.
Helena Chum, Laboratório Nacional de Energias Renováveis, EUA
Helena Chum, pesquisadora do Laboratório Nacional de Energias Renováveis dos EUA, não tratou da idéia de criação de um centro internacional, mas falou de cooperação internacional em geral. Disse que desenvolver uma metodologia de aferição de custos e de comparação entre tecnologias é uma iniciativa importante para o mundo e que pode unir diversos países em projetos cooperativos. Segundo ela, isso será importante para facilitar o processo de transformação do etanol em uma commodity internacional.
Luis Fernando Fonseca, WWF-Brasil
Outro participante da plenária foi Luís Fernando Laranja da Fonseca, coordenador do Programa de Agricultura e Meio Ambiente do WWF-Brasil. Ele discutiu a importância de se repensar o papel do automóvel — segundo ele, 70% de um automóvel é aço, algo que consome muita energia para ser produzido. Também sugeriu a realização de P&D&I focado no uso de biocombustíveis no transporte público.
A platéia
A platéia pôde intervir no debate. O pesquisador Luiz Horta, da Universidade Federal de Itajubá (MG), foi um dos participantes. Além de enfatizar que a experiência brasileira com os automóveis flexfuel mostra que é possível adicionar 10% de etanol à gasolina sem ser necessária nenhuma mudança nos motores, contrapondo-se à fala da executiva do Grupo PSA Peugeot Citroën, ele disse que o sugerido centro internacional deveria levar em conta a necessidade dos países de recuperar o tempo perdido em relação ao desenvolvimento tecnológico e produção de biocombustíveis.
Expedito Parente, presidente da empresa produtora de biodiesel Tecbio, e considerado o pai desse biocombustível, também fez uma intervenção como membro da platéia. Ele apoiou a idéia de criação do centro, mas disse que este deveria ser vinculado à Embrapa, porque a instituição está presente em quase todos os Estados do Brasil. "Que esse centro não se concentre numa região, mas esteja presente nos lugares em que temos atividades de pesquisa em biocombustíveis", defendeu.
Voltar
|